Vamos a um caso exemplificativo: A imprensa noticiou que uma mãe, contando com a colaboração da companheira, matou o filho de 6 anos de i...
Vamos a um caso exemplificativo: A imprensa noticiou que uma mãe, contando com a
colaboração da companheira, matou o filho de 6 anos de idade e jogou seu corpo
nas águas do Rio Branco, no município de Pedro Canela, no litoral do Rio Grande
do Norte. O corpo do menino, até o presente, apesar de todas as buscas
realizadas pelos integrantes do Corpo de Bombeiros e outros colaboradores, ainda
não foi encontrado.
Aqui não vamos nos
aprofundar nos motivos determinantes do fatídico crime de homicídio duplamente
qualificado (motivo fútil e
impossibilidade de defesa da vítima), além dos tipos penais referentes à
tortura e à ocultação de cadáver, e sim, sob o prisma processual, analisando
detalhadamente a ocorrência de um crime sem a comprovação da sua materialidade.
O jejuno(ignorante em
Direito) vai questionar a respeito da possibilidade de se intentar uma ação
penal contra as prováveis responsáveis pelo crime sem o encontro do cadáver e
poderá mesmo levantar a possibilidade da ocorrência de um crime perfeito. Isto
porque a legislação penal brasileira trabalha em regra com o binômio autoria e materialidade para se dar
início à persecução penal. Exige-se a prova da autoria, consistente na autoria
mediata, intelectual, de execução, coautoria e participação e a consequente
materialidade do delito, que vem a ser o representativo probatório do vestígio
deixado pelo crime. Assim, elucidada a autoria, mas sem o comprovante da
materialidade, via de regra, seria impossível a propositura da ação penal.
Uma vez que o Código de Processo Penal determina que, em
infração que deixa vestígio, como é o caso do homicídio (delicta factis
permanentis), faz-se o exame de corpo de delito chamado direto, no próprio
cadáver, pelo perito. Mas, nos casos de ausentes os vestígios sensíveis do
crime, a lei processual penal admite a realização do exame indireto, onde se utiliza
preferencialmente de testemunhas ou documentos. O juiz, neste caso, indagará as
testemunhas a respeito do crime e de suas circunstâncias para se chegar à
materialidade.
O que não se permite é a confissão do acusado
suprir o exame de corpo de delito direto ou indireto quando a infração deixar
vestígios. Preserva-se, acima de tudo, o
princípio constitucional de que o réu não produzir provas contra si
mesmo, levando-se em consideração que é obrigação do Estado coletar todas as
provas necessárias para o processo, em razão do ônus probatório que a ele
incumbe.
No caso específico, pela
apuração policial, além das duas envolvidas, nenhuma outra pessoa presenciou a
prática delituosa. Ocorre, porém, que os indícios que gravitam em torno do
fato, representados pelos vídeos e conversas encontrados pela autoridade
policial nos celulares de ambas, dão conta de que a criança era vítima
constante de tortura física e psicológica, além de trazer a informação no
sentido de que ambas pretendiam constituir uma nova família e a criança não
fazia parte deste projeto. Além do que câmeras de segurança flagraram a mãe,
acompanhada da companheira, carregando uma mala pelas ruas da cidade, em cujo
interior se encontrava o corpo da criança, em direção ao rio onde foi lançado, corroborando,
desta forma, a confissão ofertada pela mãe.
Nos casos de homicídio
sem o encontro do cadáver e sem testemunha, a prova pericial ocupa lugar de
destaque. A tecnologia científica da prova brasileira, de padrão semelhante à
desenvolvida pelos países mais avançados, invade o trabalho pericial e oferece
laudos minuciosos, da mais alta credibilidade, com um embasamento científico
suficiente para comprovar a contento a materialidade de um crime. Juntando-se
todas as provas consideradas pertinentes para elucidação do fato, como os
laudos periciais que formarão o conjunto de convicção mais apropriado e viável
para o deslinde do fato considerado ilícito.
Apesar de o Código de Processo Penal demonstrar certa
preferência pela prova testemunhal, admite também a pericial que,
hodiernamente, vem assumindo uma posição de confiabilidade e segurança, em
razão da aplicação dos mais recentes métodos da inteligência policial aliados à
tecnologia altamente científica da Polícia Técnico-Científica. O perito invade
o universo microscópico com equipamentos eletrônicos de última geração e
retorna com o relato seguro a respeito do fato perquirido. Basta ver o
resultado do julgamento dos Nardoni, que possibilitou a condenação sem o
suporte da prova testemunhal.
O Ministério Público já
ofereceu a denúncia contra as duas envolvidas, que se encontram presas em razão
da prisão preventiva, com relação à mãe, e temporária, com relação à
companheira. Vários outros objetos foram apreendidos na residência, dentre eles
a mala utilizada, e serão submetidos à perícia com chances de oferecerem um
quadro probatório ainda mais seguro e confiável a respeito da materialidade.
Resta também observar
que, por guardar certa semelhança com o presente caso, um ex-policial foi
julgado no dia 26/8/2021, pelo Tribunal
do Júri de Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte, e condenado a
cumprir a pena de 22 anos de prisão por participar do homicídio de Eliza Samudio,
ocorrido há 11 anos, cujo cadáver não foi encontrado.
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