A decisão estrangeira poderá ser reconhecida total ou parcialmente. Uma vez homologada pelo STJ, a execução segue o mesmo procedimento das n...
A decisão estrangeira poderá ser reconhecida total ou parcialmente. Uma vez homologada pelo STJ, a execução segue o mesmo procedimento das normas internas.
Um ato judicial ou ato administrativo com força de sentença, proferido no exterior, salvo exceções, terá eficácia no Brasil somente após o processo de homologação de decisão estrangeira.
A competência para processar e julgar o processo de homologação de decisão estrangeira é do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme previsto na Constituição Federal (art. 5º, I, i).
A matéria é regulada pelas seguintes normas:
Código de Processo Civil ( CPC), art. 960 e seguintes;
- Decreto-Lei 4.657/1942 - Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB);
- Acordos Internacionais;
- Regimento interno do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O processo de reconhecimento de uma decisão estrangeira não se confunde com o processo de homologação ou de execução.
O reconhecimento está relacionado à receptividade da sentença, independente da execução. A homologação é o instrumento previsto no ordenamento jurídico, processo específico do STJ e a execução é o cumprimento da decisão judicial.
O processo de homologação de decisão estrangeira no STJ
O processo de Homologação de Decisão Estrangeira, conhecido anteriormente como "Homologação de Sentença Estrangeira", é um processo de competência originária do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que visa a liberar a eficácia de uma decisão judicial ou a qualquer ato não judicial, proferidos em outro país, que pela lei brasileira tenha natureza de sentença.
A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado (art. 961, CPC).
O procedimento de homologação de decisão estrangeira está disciplinado nos artigos 216-A a 216-X do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
O requerimento deve ser apresentado ao Ministro Presidente do Tribunal.
O ajuizamento é feito eletronicamente pela Central do Processo Eletrônico no site oficial do STJ, por advogado devidamente cadastrado e habilitado perante o sistema de peticionamento eletrônico.
No processo de Homologação de Decisão Estrangeira (HDE), não cabe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), examinar matéria de mérito da decisão a ser homologada, salvo para verificar a existência de ofensa à ordem pública e à soberania nacional.
A petição inicial, além de observar os requisitos indispensáveis indicados no Código de Processo Civil (art. 963), deve também observar os requisitos do regimento interno do STJ (art. 216-D):
I - ter sido proferida por autoridade competente;
II - conter elementos que comprovem terem sido as partes regularmente citadas ou ter sido legalmente verificada a revelia;
III - ter transitado em julgado.
Os documentos que acompanham a petição inicial, originários de outro país, devem estar apostilados (convenção da Haia) ou chancelados pela autoridade consular brasileira, salvo quando houver acordo dispensando o apostilamento/legalização, como ocorre com os documentos originários da França, por força do Decreto nº 3.598/2000, artigo 23: Os atos públicos expedidos no território de um dos dois Estados serão dispensados de legalização ou de qualquer formalidade análoga, quando tiverem que ser apresentados no território do outro Estado.
Para que se acelere o processo de homologação de decisão estrangeira, recomenda-se que seja anexada uma declaração de anuência da parte requerida.
Na ausência da declaração de anuência, haverá a citação da parte requerida para apresentar defesa.
A contestação não pode adentrar no mérito da causa, somente poderá discorrer sobre os requisitos de admissibilidade e sobre a ausência dos requisitos processuais.
Havendo contestação à homologação de decisão estrangeira, o processo será distribuído para julgamento pela Corte Especial, cabendo ao Relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo (§ 1º,art. 9, Resolução 9/2005 - STJ).
Requisitos para a Homologação de Decisão Estrangeira
Os requisitos básicos para a homologação de decisão estrangeira previstos no Código de Processo Civil:
I) haver sido proferida por juiz competente;
O Superior Tribunal de Justiça analisará a competência da autoridade estrangeira para proferir a decisão a ser homologada, segundo as normas de direito internacional.
II) ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia;
A legislação brasileira, art. 238 do CPC, exige, por questão de segurança jurídica, que sejam convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. Trata-se do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, CF, art. 5º, LV:
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Não é possível homologar, no Brasil, uma decisão estrangeira sem que a parte contrária tenha participado da relação processual ou que a revelia tenha sido legalmente decretada no país de origem.
É pacífico a jurisprudência no STJ no sentido de que a decretação da revelia no processo estrangeiro deve ser analisado à luz das normas processuais do país em que foi proferida a sentença que se pretende homologar, pois se encontra inserida no âmbito da jurisdição e da soberania de cada país, não sendo possível impor as regras da legislação brasileira para o ato citatório.
III) ser eficaz no país em que foi proferida
A sentença estrangeira a ser homologada no Brasil deve ser definitiva, ou seja, impassível de sofrer modificações por eventual interposição de recurso no país de origem.
Nesse sentido, restou superada pelo art. 963, III, do CPC, a Súmula 420 do Supremo Tribunal Federal: Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado.
IV) não ofender a coisa julgada brasileira
Constitui impedimento à homologação de qualquer decisão estrangeira, a existência de uma sentença brasileira transitada em julgado que tenha decidido sobre o mesmo caso. Se a questão já foi decidida na justiça brasileira, a decisão estrangeira tardia não será homologada.
V) estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado;
É dispensável a tradução da decisão quando formulada no mesmo idioma oficial do Brasil.
O intérprete autorizado ou tradutor público juramentado é o profissional devidamente credenciado pela Junta Comercial de um dos Estados da Federação Brasileira. Nenhuma tradução terá fé pública se não for realizada por tradutor público, salvo exceções.
Somente na falta de um Tradutor Público habilitado no idioma de origem do documento estrangeiro é que estará autorizada a tradução por intérprete não juramentado.
VI) não conter manifesta ofensa à ordem pública.
A ordem pública corresponde aos valores fundamentais e presentes no ordenamento nacional.
A decisão estrangeira que importar em afronta direta às leis brasileiras e à ordem constitucional, não será homologada.
Nessa situação, se parte da sentença estrangeira viola a ordem brasileira, mas parte atende aos requisitos de aplicabilidade, a sentença pode ser homologada parcialmente.
Decisão Estrangeira e Eficácia no Brasil
Uma vez que seja homologada a decisão proferida no exterior, a sentença surtirá todos os efeitos no Brasil e poderá ser executada.
O Superior Tribunal de Justiça não acolhe o pedido de homologação de decisão estrangeira quando a decisão não produz efeito no território nacional:
Quando a sentença estrangeira não possuir o condão de produzir efeitos no Brasil, não estará presente o interesse de agir no pedido de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, caracterizando-se a ausência do binômio necessidade-adequação da prestação jurisdicional. SEC 10.639.
Alguns brasileiros residentes no exterior e que não pretendem regressar ao Brasil, por vezes, questionam a necessidade ou utilidade do processo de homologação de decisão estrangeira. Ocorre que a inobservância desse simples e rápido procedimento por qualquer cidadão brasileiro ou pessoa estrangeira que tenha assuntos de interesse a tratar no Brasil, pode causar uma série de transtornos.
O brasileiro que se divorcia no exterior - por exemplo - mas não homologa a sentença de divórcio no Brasil, para todos os efeitos legais, continuará casado e assim estará sujeito a:
(i) impossibilidade de contrair novo matrimônio;
(ii) divergência na documentação pessoal quanto ao estado civil, o que pode impossibilitar uma série de atos civis simples como: abrir uma conta bancária, celebrar um contrato, retirar vistos e passaportes, etc.;
(iii) inexigibilidade quanto ao acordo firmado no texto da sentença sobre: bens, alimentos e guarda de menores;
(iv) questões relacionadas a inventário e compra e venda de imóveis;
(v) outros.
Sentença estrangeira de divórcio consensual
A Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, art. 961, § 5º, excluiu da competência do Superior Tribunal de Justiça a homologação da sentença estrangeira de divórcio consensual:
A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.
Naquele momento não houve uniformização quanto à interpretação do Código de Processo Civil, fato pelo qual o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 53 de 16/05/2016, decidindo que a averbação direta no assento de casamento da sentença estrangeira de divórcio consensual simples ou puro, bem como da decisão administrativa de divórcio, fosse realizada perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, independe de prévia homologação da sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e/ou de prévia manifestação de qualquer outra autoridade judicial brasileira.
Portanto, quando a sentença estrangeira de divórcio consensual ocupa-se apenas da dissolução do casamento e não envolve disposição sobre guarda de filhos, alimentos e/ou partilha de bens, não dependerá de prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. O pedido deverá ser realizado diretamente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais onde foi registrado o casamento.
Sentença estrangeira de alimentos
A sentença estrangeira de alimentos também deverá ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça que examinará os aspectos formais da decisão proferida no exterior (art. 963 do CPC; e arts. 216-C, 216-D e 216-F do RISTJ). É inviável a análise sobre o mérito da demanda original, como as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante.
A Convenção da Haia sobre Alimentos - acordo que facilita a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família entre o Brasil e outros países - viabiliza medidas para acelerar e tornar mais efetivos os pedidos de prestação internacional de alimentos, ou seja, pedidos de pensões alimentícias do Brasil para o exterior e vice-versa.
Conclusão
As decisões transfronteiriças, proferidas por órgão públicos ou por tribunais judiciais de outros países, não possuem eficácia automática no Brasil. As decisões estrangeiras estão sujeitas às normas internas e implicam o reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça para que se tornem eficazes e executáveis.
A decisão estrangeira poderá ser reconhecida total ou parcialmente. Uma vez homologada pelo STJ, a execução segue o mesmo procedimento das normas internas.
Referências
DECRETO 3.598, de 12 de setembro de 2000. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3598.htm
DECRETO 13.609, de 21 de outubro de 1943. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d13609.htm#:
DECRETO-LEI, 4.675, de 4 de setembro de 1942. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm
LEI, 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br /ccivil
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional Privado. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
PIZZOLO, Calogero. Comunidad de intérpretes finales. Relación entre tribunales supranacionales, constitucionales y supremos. El diálogo judicial. Buenos Aires: ASTREA, 2017.
PROVIMENTO nº 53 de 16/05/2016. Corregedora Nacional da Justiça. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2515.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direito Internacional Privado. Saraiva. 2ª edição, 2021.
RUBIO, María Victoria Cuartero. Introducción al Derecho internacional privado. Espanha. Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2022.
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